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TESTE >> Chevrolet Volt

Apertei o botão “Start” e nada aconteceu. Nenhum ruído, o carro permaneceu inerte. O engenheiro ao meu lado virou-se na minha direção, mas sua expressão não transparecia preocupação e sim expectativa. Algo como a de um padre que espera os noivos se beijarem no altar. Fiquei sem saber o que fazer. “Is it on (está funcionando)?” perguntei. Diante da afirmativa, acelerei e o carro arrancou. Assim começou meu test-drive com o Chevrolet Volt, o elétrico que pretende ser o cartão de apresentação da nova GM. O Volt foi apresentado em janeiro passado no Salão de Detroit e começa a ser vendido em novembro, nos Estados Unidos. Tive o privilégio de ser o primeiro entre os convidados da fábrica a andar no carro que inaugura um novo capítulo na história do automóvel, o do carro elétrico produzido em série e vendido a um preço, pelo menos por enquanto, se não acessível, ao menos razoável.

Com o Volt já em movimento, uma esfera virtual no painel começa a se mover e mudar de cor (ora verde, ora vermelha). Sua função é mostrar o consumo de energia. Incomodado com o silêncio a bordo, uma vez que o motor elétrico não faz barulho, concentrei-me no som dos pneus triturando o sal jogado sobre o asfalto para derreter a neve. À medida que pressionava o acelerador, mais pronunciado ficava o ruído do vento passando pela carroceria, uma sensação que lembra o voo num planador. Mas, ao contrário do som produzido pelos pneus, esse não agradou. O som agudo, como um assobio, me pareceu incômodo. Não foi à toa que a GM dedicou atenção especial à aerodinâmica do Volt. Uma silhueta bem trabalhada ajuda a reduzir o consumo, por diminuir a resistência aerodinâmica, e também o nível de ruído. Segundo a GM, o Cx do Volt é 0,26. Nada mau, quando comparado com o do atual campeão entre os carros de série, o novo Mercedes-Benz Classe E, com Cx de 0,24. Mas, ainda assim, o ruído aerodinâmico se sobressai, na ausência do som do motor.

O Volt é o primeiro carro elétrico destinado a consumidores comuns, para ser usado no dia a dia. O EV1, outro modelo movido a bateria, construído em 1986 pela própria GM, tinha apenas dois lugares, design esquisito e não chegou a ser de fato comercializado. Ele era alugado a interessados que poderiam rodar durante três anos ou 30 000 milhas, sempre monitorados pela engenharia da fábrica. Com o Volt a história é outra: ele vai para os show rooms e poderá ser comprado pelos interessados, como qualquer outro carro da marca, ao preço de cerca de 40 000 dólares, na versão básica. Ou seja: o dobro de um modelo similar completo equipado com motor a combustão. Como contrapartida, promete substanciais vantagens econômicas e ambientais.

0 a 100 km/h em 9 s
Segundo a GM, um motorista que rode 64 km por dia, e que faça a recarga durante a noite, deixará de queimar 1 900 litros de combustível e evitará a emissão de 4,4 toneladas de CO2, ao fim de um ano. Considere-se para essa comparação um modelo equipado como motor a combustão que faça a média de 12,8 km/l de gasolina e que atenda às normas de emissões norte-americanas atuais. Outra vantagem está nos custos, uma vez que rodar com eletricidade sai mais barato que utilizar combustível. Na cidade de São Paulo, por exemplo, 1 kWh custa 30 centavos, enquanto 1 litro de álcool sai por 1,95 real, em média. Portanto, para rodar 64 km seriam necessários 2,40 reais diários ao volante do Volt, contra 15,60 reais a bordo de um veículo que conseguisse a média de consumo de 8 km/l.

A fábrica usou 64 km como referência em suas contas porque essa é justamente a autonomia do Volt, seguindo um ciclo específico para veículos elétricos definido pela Agência de Proteção Ambiental americana (EPA). Uma pesquisa do Departamento de Trânsito dos Estados Unidos mostra que 76% dos motoristas norte-americanos rodam até 64 km (40 milhas) diariamente, em seus deslocamentos de rotina: para ir ao trabalho, à escola e às compras. Para viagens acima desse patamar, o Volt conta com um motor a combustão, que entra em ação para alimentar as baterias durante o trajeto, caso o motorista não queira ou não possa ligar o carro na tomada. Esse motor a combustão – 1.4 turbo de 141 cv – só pode funcionar como gerador, ao contrário dos modelos híbridos, nos quais ele também traciona o veículo. O tempo de recarga é de cerca de 3 horas, em uma tomada de 220 volts, ou 8 horas, em uma tomada de 110 volts.

O Volt tem um conjunto de baterias de íons de lítio, formado por 200 células, com capacidade de 16 kWh, mas seu sistema de controle eletrônico permite que se utilize apenas metade dessa energia (8 kWh) entre cada ciclo de carga e recarga. De acordo com o diretor de sistemas elétricos da GM, Micky Bly, a engenharia optou por limitar o aproveitamento da capacidade pensando na durabilidade da baterias. Para atender a uma norma técnica do governo americano, elas devem durar dez anos ou 240 000 km. “No futuro, nós poderemos aumentar essa capacidade, mas, por enquanto, vamos deixar assim”, afirma Bly.

Uma vez em movimento, o Volt tem comportamento muito parecido com o de um automóvel comum. Sua suspensão é macia, a direção é leve (poderia ser um pouco mais direta, para garantir respostas mais rápidas) e os freios, progressivos.

A GM diz que o Volt acelera de 0 a 100 km/h em cerca de 9 segundos e chega aos 161 km/h de velocidade máxima. Podem até ser marcas dignas, mas não me empolguei com a aceleração. Apesar de todo o torque de 37,7 mkgf estar disponível já a partir de 1 rpm, o Volt precisa de um tempo para vencer a inércia de seus 1 800 kg, sendo 200 kg só de baterias, e a aceleração cresce com alguma dificuldade no primeiro momento. Depois de embalado, o Volt vai bem.

Infelizmente, não tive oportunidade de fazer medições nem de ver o Volt no trânsito urbano e muito menos na estrada. O test-drive aconteceu nas alamedas internas do Centro Tecnológico da GM, na cidade de Warren, que poderiam ser comparadas às ruas de um bairro paulistano, mas sem trânsito.

O Volt é um carro confortável. Por dentro, o espaço é comparável ao de um sedã médio-compacto. Em relação aos modelos da linha Chevrolet nacional, ele é maior que o Astra e menor que o Vectra. A bordo, cabem quatro pessoas, porque existe um console entre os bancos, sob o qual ficam as baterias. O acesso ao banco traseiro é limitado. Há pouco espaço entre o assento e a coluna do carro. E, embora exista espaço suficiente para as pernas longitudinalmente, o passageiro viaja com a bacia em posição mais baixa que os joelhos. Na vertical, o espaço é suficiente para uma pessoa mais alta que eu, com meu 1,72 metro.

Direção “by-wire”
O painel tem os dois semiarcos nas laterais da parte superior – detalhes clássicos nos Chevrolet (como no Corvette e no Camaro) –, mas no lugar dos tradicionais mostradores há uma tela de cristal líquido. O console central é de plástico, branco como os gadgets da Apple. Há pouca textura no revestimento. Nas laterais das portas, a impressão espacial se dá pelo grafismo aplicado ao acabamento. Tudo parece prático e fácil de usar. A sensação é de que a cabine poderia ser limpa com um pano úmido. A alavanca de câmbio tem design futurista, embora pouco funcional. Mas até o lançamento é provável que mude seu formato, conforme confidenciou um engenheiro. O câmbio é automático de cinco marchas, mas o motorista pode optar por trocas manuais.

Visto por fora, o Volt não dá pinta de ser elétrico. O plugue para recarga fica no para-lama dianteiro esquerdo, sob uma tampa comum, daquelas que encobrem os bocais dos tanques de combustível. Além disso, o Volt tem cano de escapamento para o motor auxiliar. De qualquer modo, tecnicamente o Volt difere muito de um carro convencional. Seu radiador é composto por quatro camadas de colmeias e dois ventiladores, para atender não só o motor a explosão, mas principalmente o sistema de refrigeração das baterias. A temperatura é um fator de grande importância para o bom funcionamento das baterias, que devem operar preferencialmente em uma estreita faixa que vai de 20 a 25 ºC. Segundo os técnicos da GM, nas temperaturas muito baixas, próximas de 0 ºC, as baterias não fornecem energia e nas muito altas, acima de 40 ºC, perdem a carga rapidamente.

Todas as bombas e sistemas que em um veículo convencional são acionados pelo motor no Volt são elétricas, uma vez que o motor a explosão serve apenas como gerador. Assim, o ar-condicionado e os sistemas de direção e de freios são elétricos. No caso dos freios, existe mais uma razão para serem elétricos, do tipo drive-by-wire, que é o fato de o sistema ser regenerativo. De acordo com a fábrica, o sistema de freios pode aproveitar até 21% da energia das frenagens.

Como eletricidade e combustível fazem uma combinação explosiva, o compartimento das baterias ficou cuidadosamente isolado do tanque, que, por sua vez, é selado e pressurizado. A vedação do reservatório tem outra justificativa, porém, que é a contenção das emissões evaporativas. Em um veículo comum, os gases do combustível são recolhidos e enviados para as câmaras, mas no Volt isso não acontece, porque em condições normais de uso o motor a explosão passa muito tempo sem ser acionado.

Revendo conceitos
Em relação à manutenção, não haverá grandes mudanças na rotina dos proprietários do Volt pelo fato de ele ser elétrico. O motor elétrico não requer maiores cuidados. Os freios drive-by-wire necessitam de revisões, assim como os freios de um sistema hidráulico. O maior trabalho fica por conta justamente de sua metade mecânica, que demanda atenção especial. Mesmo não sendo necessário para gerar energia, o motor a explosão precisa ser acionado periodicamente a fim de se manter em bom estado de funcionamento para, entre outras coisas, fazer circular o óleo e consumir o combustível, que tem prazo de validade.

No futuro, à medida que as baterias se tornarem mais potentes, talvez os netos do Volt possam dispensar o motor como gerador. E, nesse dia, quando algum carro movido a gasolina ou álcool passar por nós, talvez a gente se surpreenda e tenha dificuldade para entender como no passado as pessoas conseguiam ter veículos barulhentos e que soltavam fumaça.

RASCUNHO



A ideia do Volt nasceu na forma de um rascunho num pedaço de papel. Durante uma reunião informal que não durou mais que 20 minutos, os atuais vice-presidente e vice-presidente de produto da General Motors, Bob Lutz e Jon Lauckner, estabeleceram as bases do que deveria ser o carro. Na época, em 2006, a GM precisava dar uma resposta à Toyota, que avançava nas vendas e polia sua imagem de empresa comprometida com o meio ambiente, com o modelo híbrido Prius. Enquanto conversavam, Lauckner, que é considerado o pai do Volt, traçava o esboço do carro. As premissas: o Volt deveria ter autonomia para 40 milhas (64 km), espaço para quatro pessoas, baterias instaladas no piso com capacidade entre 12 e 16 kWh, freios regenerativos e um motor a combustão para atuar apenas como gerador – diferentemente do Prius, que também pode ser tracionado pelo motor a gasolina. O desenho acima é uma recriação do original e foi feito a pedido de QUATRO RODAS, durante um jantar com Lauckner, Lutz e outros quatro executivos da empresa, na véspera da abertura do Salão de Detroit. Desta vez, o papel usado para o esboço foi o verso do cardápio servido naquela noite. Testemunhas da história asseguram tratar-se de uma cópia fiel.

USINA ELÉTRICA



O motorista pode monitorar o funcionamento do motor elétrico em tempo integral, por meio da tela de cristal líquido que reúne informações de consumo, carga disponível e energia regenerada. O motor a combustão, é um gerador que alimenta as baterias.

BATERIA DE TESTES



O Volt recebeu atenção especial dos engenheiros em todos os aspectos de seu desenvolvimento, começando pela pesquisa aerodinâmica, importante para se diminuir a resistência do vento. Em relação às baterias, uma tecnologia nova, sem histórico de aplicação, configuraram um capítulo à parte. Diversos testes avaliaram a resistência física e química das baterias. Segundo a GM, foram mais de 50 000 ensaios envolvendo as células (as menores unidades do sistema), 300 testes com o conjunto de baterias, que passaram por avaliações de impacto, perfuração, corrosão, durabilidade e variação térmica, além de submetidas a situações de sobrecarga, curtocircuito, choque elétrico e uso contínuo. Foram rodados cerca de 480 000 km com protótipos inteiros, nas mais diversas condições de uso, e realizados 20 crash-tests reais. Apesar de as baterias do Volt levarem o mesmo nome do elemento (lítio) encontrado nas baterias dos telefones celulares, elas têm pouco em comum entre si. Isso porque devem atender a solicitações bem diferentes. O conjunto de baterias do Volt é produzido pela GM na fábrica de Brownstown, mas as células são fornecidas pela empresa coreana LG Chem.

LIGADA NA TOMADA



A GM espera que que o desenvolvimento da tecnologia possa aperfeiçoar o Volt e seus descendentes, deixando-os mais eficientes e baratos. Como exemplo, os executivos da fábrica citam os telefones celulares, que nos últimos dez anos ganharam baterias bem menores e muito mais eficientes. Inicialmente, o Volt será vendido apenas nos estados da Califórnia e Michigan. Mas a intenção é comercializá-lo em todos os Estados Unidos e também em outros países. A GM tem a expectativa de vender 10 000 Volt em 2011 e 60 000 em 2012, enquanto a Toyota vendeu 140 000 Prius, nos Estados Unidos, em 2009. Neste momento, com o carro pronto, a GM trata de facilitar a vida dos futuros proprietários do Volt, estudando soluções para a formação de uma infraestrutura pública para recarga e para a reciclagem das baterias. Através de sua parceira OnStar, especializada no monitoramento de veículos a distância, a fábrica desenvolveu um software que permitirá aos usuários operar as recargas remotamente. Por meio do celular, o motorista poderá checar a carga das baterias, programar o momento e a duração das recargas e enviar comandos para acionamento do sistema de ar-condicionado, por exemplo. O software já está disponível no site da OnStar para três tipos de celulares: iPhone, Blackberry e Motorola Verizon.

VEREDICTO

Ele é mais caro que seus pares movidos a gasolina, mas mostra-se viável como alternativa de transporte limpo e econômico, sem exigir concessões dos motoristas.

Revista Quatro Rodas

Por Paulo Campo Grande

Março de 2010


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