Carro popular é como um espelho: cada um que olha para ele enxerga uma coisa diferente. É o presente para o jovem que passou no vestibular, é o único carro da família (com filhos pequenos ou grandes), é o meio de transporte do empresário que prefere deixar o esportivo na garagem durante a semana. De janeiro a maio deste ano, 352 811 pessoas – quase a população de Florianópolis – compraram aquilo que a Fenabrave classifica como “carro de entrada”. É um segmento dentro de outro segmento (o dos carros com motor 1.0), mas é tão grande que concentra 40% das vendas de carro no Brasil. O que atrai tanta gente é, claro, o preço. Mas o que eles procuram, isso já varia bastante. Para escolher o melhor dos populares, reunimos os cinco nacionais mais baratos: Celta, Clio, Gol, Ka e Mille. Mas, antes de ouvir nossa resposta, olhe para o espelho e responda: o que você mais espera encontrar num carro?
5º Volkswagen Gol R$ 24630
O carro mais vendido do Brasil é o Gol, mas não mais este, da “Geração 4”. O novo modelo respondeu por 83% das 113 176 unidade emplacadas de janeiro a maio de 2009. O “G4” ainda é popular, mas o site da Volks não oferece mais a versão quatro portas, só na loja. Espera-se que ele vire uma versão única com duas portas e acabamento simplificado, para custar menos que o Mille. A linha 2010 já foi apresentada, traz um lembrete de revisão no painel. O Novo Gol está matando o G4, mas até agora lhe deu bons presentes: discos de freio com medidor de desgaste e uma nova chave codificada, que torna o Gol mais protegido. Encomendamos à corretora Nova Feabri duas cotações de seguro, em perfil conservador (casado, 40 anos) e arriscado (solteiro, estudante, menos de 25 anos). O Gol foi mais barato que o Mille e bem mais caro que os demais. Irmão ingrato mesmo é o Fox, que deu ao G4 peças que não cabem: o trinco interno fica deslocado no painel da porta e o quadro de instrumentos aponta para o lado, dando ao Gol um ar de improviso. Bastava o volante torto, herança do modelo de 1980, assim como o motor longitudinal. O Gol é o maior carro desta turma, mas não o mais espaçoso. O Gol é o que mais bem recebe motoristas de diferentes estaturas, graças ao banco com ajuste de altura (ele tem de série e os outros, nem opcional). É uma concessão da Volks ao público feminino, que sempre achou o assento muito baixo. Mas o Gol continua sendo um carro masculino: o freio de mão duro de puxar, uma tradição, ganhou a companhia de novos apoios de cabeça (macios como um tijolo) e bancos dianteiros com apoio em forma de tripé. Guarde sua bolsa de couro embaixo deles, e ela tem boas chances de voltar engraxada. Talvez não na cor original... A dureza do Gol poderia contar pontos na categoria “carro de garotão”. Mas este aqui não é gostoso de dirigir. O pedal de freio veio com assistência exagerada, você mexe os dedos dentro do sapato e o carro já breca. O nariz do carro abana para cima nas saídas de sinal, e não é por excesso de potência do motor. Não mesmo: em nosso teste, o Gol esteve sempre entre os piores em desempenho, sem trazer contrapartida em consumo. DIREÇÃO, FREIO E SUSPENSÃO A suspensão desagrada a gregos e troianos: é dura, ao passar por asfalto rugoso, mas é mole a ponto de deixar a frente do carro levantar em saídas de sinal. ★★★ MOTOR E CÂMBIO A taxa de compressão seria alta mesmo para um carro dedicado a beber álcool. Ainda assim, não alcança torque e potência capazes de dar agilidade ao carro. ★★★ CARROCERIA A qualidade de montagem do Geração 4 não se compara à do Novo Gol. Mas, diante destes rivais, é competitiva. ★★★★ VIDA A BORDO O ajuste de altura do banco ajuda, mas a posição de dirigir é confusa: volante torto para fora, pedais deslocados, quadro de instrumentos que não se alinha com o meio do volante. A cabine é ampla e o porta-malas, o maior. ★★★ SEGURANÇA Brake-light e ajuste de bancos de série. ★★★ SEU BOLSO Está na descendente, mas sua enorme popularidade acumulada é garantia de liquidez. ★★★
4º Renault Clio R$ 25090
O Clio Campus custa pouco, mas o adjetivo “popular” não lhe cai bem. Primeiro, porque falta popularidade. Em 2009, o Clio emplacou 5 589 unidades (12 vezes menos que o Mille). Ano passado, vendeu tão pouco que não se habilitou a participar da pesquisa Os Eleitos, que mede a satisfação do proprietário. O Clio foi o campeão geral em 2003, lembrando que é difícil um carro pequeno agradar. Na última edição, o Celta ficou em 34º, o Mille foi o 37º e o Gol, o 40º – num total de 40 carros. O Ka conseguiu um ótimo quinto lugar (embora parte de eleitorado tenha o antigo modelo, que pouco tem a ver com este). O Clio não tem cara de carro barato. Os bancos são largos o carpete é macio e a cabine não tem rebarbas, parafusos expostos ou partes de lataria descoberta. Botões e alavancas são leves de acionar e um alarme avisa se você esquecer o farol aceso. A trava elétrica (opcional) por controle remoto, integrada à chave, atua em dois estágios: aperte uma vez para abrir a porta do motorista e duas vezes, para as outras. É um capricho raro mesmo em nossos carros médios. O jeito de rodar é diferente do de seus rivais: busca o conforto, como o Celta, mas é mais sólido. Tem mais porte. Ninguém diz que você está num carro popular. Talvez digam que você está num carro usado, é verdade. O Clio tem projeto antigo (o que explica o teto baixo, que limita o espaço para a cabeça, e a falta de porta-trecos) e mantém basicamente a mesma cara desde 2003. Além de o estilo não despertar curiosidade, isso trará um problema de mercado. Na hora de revender, seu carro vai competir com modelos anteriores, muito mais equipados. Até há pouco tempo, era fácil ele ter ar, direção e airbag. Nesse, de agora, até o conta-giros é opcional. Para um carro que já teria giro mais difícil que os outros (carro que tem pouca procura quando novo não haverá de ter muita, quando usado), isso é um problema a mais. Mas facilidade de revenda, menor custo por quilômetro rodado e valor de seguro (ele é o terceiro mais caro, à frente apenas de Mille e Gol) são preocupações de gente que compra carro popular. Não é coisa que aborreça o dono de Clio. DIREÇÃO, FREIO E SUSPENSÃO O freio é um pouco superassistido, mas acostuma-se. A suspensão, macia sem ser molenga, dá ao Clio um rodar diferenciado dos rivais. ★★★★ MOTOR E CÂMBIO Para ganhar potência, recorre à tecnologia das 16 válvulas (e não a taxas de compressão dignas de um carro a álcool, que deixam o motor mais vulnerável à gasolina ruim). É também o mais suave e silencioso. ★★★★ CARROCERIA A idade do projeto original se mostra em detalhes como a falta de espaço para a cabeça. A qualidade revela-se na rigidez da carroceria. ★★★★ VIDA A BORDO O aproveitamento de espaço interno é ruim. Agradam o silêncio e o capricho do acabamento. ★★★★ SEGURANÇA Ótimos faróis e a tranquilidade de estar num carro feito para o mercado europeu. ★★★ SEU BOLSO É o carro mais caro do comparativo (sem itens de série que justifiquem), tem vendas discretas e seguro dos mais altos. ★★★
3º Chevrolet Celta R$ 24963
O Celta é um popular capaz de levar a família para viajar, com desempenho satisfatório (melhor que o de carros maiores de motor 1.4) e economia. O motor 1.0 da GM tem concepção antiga e não é tão suave, mas, na configuração VHCE (lançada na linha 2010), anda bem e bebe pouco. É quase tão racional quanto o Mille, sem carregar o peso de ser o Mille (um carro com 25 anos de idade). Tem espaço razoável para passageiros, suas malas e suas pequenas tralhas. Oferece a opção de quatro portas e guarda o estepe no lugar certo (nem do lado de fora, como o Ka, nem no cofre do motor, como o Mille). Às vezes o racionalismo excessivo incomoda. O Celta Life, de 24 963 reais, é o único da turma a vir com para-choques pretos, e suas rodas são aro 13. Do ponto de vista funcional, nenhum problema: o primeiro serve para defender o carro e o segundo separa as rodas do chão. Mas é feio, quem compra carro novo procura algum status – ou compraria um usado. Para-choque pintado e rodas 14, como nas fotos, são privilégios da versão Spirit, de 26 363 reais. O Celta básico custa tanto quanto o Ka, sem mostrar fortes argumentos para isso. É uma cara mais antiga, um carro menos espaçoso, menos equipado e com valor de seguro ligeiramente mais caro. O intervalo entre as revisões, que era de 15 000 km, foi reduzido para 10 000 km nos carros vendidos a partir de janeiro. Falta reduzir os preços: seguindo a lista de serviços tabelados sugerida pela GM, fazer o serviço recomendado nas revisões até 60 000 km custará 1 983 reais. O Clio, quem diria, cobra menos: 1 363 reais. Enquanto o modelo da Ford tem de série trava elétrica e alarme com controle remoto, a Chevrolet oferece de série, no Celta, o conta-giros. É importante, ajuda a planejar ultrapassagens, mas não é prioridade. Se é para investir em segurança, ele poderia ter apoios de cabeça dianteiros reguláveis em altura (parecem móveis, mas são costurados no encosto). Os bancos do Celta são inadequados para pessoas com mais de 1,80 m. Numa batida, eles pouco poderão fazer para proteger a coluna cervical contra o efeito chicote. DIREÇÃO, FREIO E SUSPENSÃO Não é esportivo como o Ka nem sólido como o Clio, mas sua proposta de conforto é bem resolvida. ★★★★MOTOR E CÂMBIO Motor antigo trabalhado à exaustão para render potência. Funciona: com câmbio curto, o Celta anda como gente maior. ★★★★ CARROCERIA Nascido em 2000 e reformado em 2005, não tem mais o estilo como ponto alto. As dimensões enxutas sacrificam o espaço interno. ★★★ VIDA A BORDO Conta-giros de série e opcionais agradáveis (como vidros elétricos tipo um-toque, com fechamento pelo controle remoto da chave) convivem com botões e plásticos que parecem de brinquedo. Bons porta-trecos. ★★★★ SEGURANÇA Há ajuste de cinto de segurança opcional (nessa faixa de preço, essa observação é elogio), mas faltam apoios de cabeça móveis. ★★★ SEU BOLSO Gasta menos combustível que o Ka, mas custa a mesma coisa, é mais antigo e menos equipado. ★★★★
2º Ford Ka R$ 24880
O Clio é parecido com o de 2000, o Celta foi lançado em 2000 (e retocado em 2005), o Gol tem muito do “Bolinha” de 1995 (virou “Geração 4” em 2005) e o Mille atualizou, em 2004, um visual que está aí desde 1984. Para o público novidadeiro, o carro da Ford, de 2008, é a pedida. Ter vindo por último tem outras vantagens. O projeto do Ka (uma pesada reforma do modelo original, de 1997) reflete preocupações atuais com manutenção e valor de seguro. Ele traz de série trava elétrica e alarme com controle remoto, além de um lembrete eletrônico de revisões. O cuidado em diminuir os prejuízos em acidentes de trânsito levou ao índice 13 no crash-test do Cesvi, melhor que Celta (14), Clio (16) e Mille (17) – a Volks não divulga o índice do Gol G4. Resultado: o Ka tem o seguro mais barato. Em nossa pesquisa, o perfil de segurado jovem custou 3 173 reais, 68% abaixo do Mille. O seguro do Ka é menor, mas separe um dinheiro para investir num cadeado. Herança do Ka original, o estepe fica pendurado por baixo do carro, numa bandeja. É difícil de calibrar, fácil de sujar e de ser roubado. “Vendo pelo menos três estepes dele por dia”, diz o gerente de uma loja de pneus. Um estepe novo custa 400 reais. Do antigo Ka também ficaram as portas e o gosto por deixar um bom pedaço de lataria exposta, dentro da cabine. Pode ser questão de estilo, mas o público entende como falta de capricho. O padrão de acabamento piorou bastante, comparado à geração anterior. Os plásticos de acabamento e os botões de ar-condicionado são um tanto moles, como os do Celta. Lembram um brinquedo. Outro pecado do Ka é ser um carro popular que bebe mais que os rivais, na cidade e na estrada. Bebe mais e anda menos. A falta de fôlego do motor 1.0 tira parte da graça do bom acerto de chassi feito pela Ford (ladeira abaixo, é uma delícia). E desmerece o bom espaço interno. O novo Ka é o mais espaçoso da turma, mesmo no banco de trás. Difícil é chegar lá. A Ford está devendo uma versão com quatro portas. Com elas (e com motor mais eficiente), o Ka provavelmente ganharia este comparativo. Mas talvez a Ford não queira arrumar briga com o Fiesta. Pena. DIREÇÃO, FREIO E SUSPENSÃO Acerto caprichado, diverte mais que vários carros mais caros. Pena não ter mais motor. ★★★★ MOTOR E CÂMBIO Suavidade é bom, só que agilidade é mais – e a Ford ignora isso. Com câmbio longo e motor manso, o Ka é de longe o mais lento. E tem sede. ★★★ CARROCERIA A cabine é a mais espaçosa e o portamalas, de boca baixa, facilita o acesso. Poderia guardar o estepe do lado de dentro. ★★★★ VIDA A BORDO De série, luxos, como a trava elétrica por controle remoto, e caprichos, como uma alça de tecido para pessoas baixinhas alcançarem a tampa traseira aberta. Poderia cuidar melhor do acabamento. ★★★★ SEGURANÇA Destaque para o ótimo acerto de suspensão, que torna o Ka mais à mão que os demais. Brake-light vem à parte. ★★★ SEU BOLSO Seguro barato, visual atual, espaço generoso, luxos de série e preço na média. Ah, se o motor fosse mais econômico... ★★★★
1º Fiat Mille R$ 21960
Nenhum carro é bom ou ruim antes de você saber o preço. Por 21 960 reais, o Mille é o mais barato do Brasil. Pelo valor do Clio, dá para ter um Mille com ar-condicionado ou com o kit Top (direção hidráulica, vidros, travas, rádio e rodas de liga). Preço baixo não é tudo, nem mesmo no mundo dos populares. Mas é um bom começo. O Mille desfaz o mito de que carro 1.0 atrapalha o trânsito. Leve, chega a ser mais ágil que o Punto 1.4. Também é bem mais econômico que os rivais. É 20% melhor que o Gol, no ciclo urbano, e 13% no rodoviário. Em carros de nível tecnológico igual (e limitado pelo custo), uma vantagem dessas é admirável. Como nada disso terá validade se o motorista não ajudar, o Mille ganhou um econômetro. Em vez de pensar sobre conceitos complexos, como inércia do carro e faixa ideal de torque do motor, o motorista só segue o ponteiro: faixa verde é bom, amarela é ruim. Adequado para iniciantes (que, com ele, aprendem a dirigir melhor) e para iniciados (serve como um lembrete permanente). E os dois grupos haverão de concordar: a presença daquele mostrador animado traz ao quadro de instrumentos uma distinta sensação de conteúdo. O painel é vistoso, com iluminação indireta feita por leds brancos de brilho intenso. Do ponto de vista de quem dirige, à noite, o Mille é o carro mais bonito. O isolamento de cabine melhorou bastante , de quatro anos para cá. Acabou aquela sensação de que alguma janela foi esquecida aberta. À luz do dia, porém, a idade pesa. Olhando o Mille, na garagem, pensei comigo: se meu carro tivesse batido e voltasse assim do funileiro, eu reclamava com a seguradora. Repare como os vãos entre portas e para-lamas são grandes e um tanto aleatórios. Na cabine, dá para encaixar uma caneta Bic na fresta entre a parede e o painel. Falta prestígio ao Mille, não há dúvida, mas nessa faixa de mercado isso importa menos – e nenhum rival tem muito do que se gabar. Um motivo para preterir o Mille é o valor de seguro, o mais alto encontrado em nossas cotações. Mas isso é bem mais que uma questão de estilo de vida – depende de número do CEP, sexo, idade... Converse com seu corretor. Se ele der sinal verde para o Mille, saiba que a gente também indica. DIREÇÃO, FREIO E SUSPENSÃO O acerto de suspensão foi piorado, a fim de poupar combustível. Mas ainda é um carro justinho. ★★★★
MOTOR E CÂMBIO Com a carroceria leve do Mille, a vida é facilitada. Mesmo assim, chama atenção pela suavidade. ★★★★ CARROCERIA Acabamento ruim e visual antigo, resiste graças ao compromisso com a função: o Mille é espaçoso e enxuto e tem ótima visibilidade. ★★★ VIDA A BORDO Supera as (baixas) expectativas: tecido agradável, painel vistoso, comandos leves e bom isolamento acústico. ★★★★ SEGURANÇA Estepe no cofre do motor é um palavrão, em tempos de deformação progressiva e proteção ao pedestre. Destaque para a boa visibilidade. ★★★ SEU BOLSO O Mille custa menos, é mais econômico e vende mais que os outros. Mas atente para o preço do seguro, que pode encarecer o custo. ★★★★
VEREDICTO O Mille é o melhor nos pontos-chave (preço, consumo e desempenho) e bom em pontos importantes (espaço interno e praticidade). É ruim em acabamento e segurança, mas nenhum rival é realmente bom. Há pouco tempo, essas qualidades não bastavam: o Mille era tão descuidado que ficava abaixo da linha de pobreza. Mas ele melhorou e voltou a ser um carro amável.