Todos já brincaram com o Sr. Cabeça de Batata. Talvez nem todos, então vou explicar: é uma batata de plástico, onde a gente encaixa 40 tipos de orelhas, nariz, olhos... - e assim vai mudando a cara do tal senhor. De certa forma, montadoras fazem o mesmo, com lanterna, friso, grade... Mas chega a hora em que começam a faltar pecinhas alternativas na caixa. É o caso da S10, nascida em 1995 e reformada em 1999, 2001, 2005 e agora.
Não haviam usado farol máscara negra, agora foi. Rodas e adesivos sempre dá para trocar, e assim aconteceu. Como as lanternas já tinham virado fumê, restou criar gomos salientes. A grade (que já teve treliça, réguas verticais e horizontais) adotou o inédito estilo "ausente", tão espaçada que expõe o radiador a paus e pedras. A tomada de ar falsa no capô cresceu e o pára-choque ganhou aplique de aventureiro urbano. Rack, santantônio e estribo eram roliços e ficaram quadrados - e ganharam companhia de um defletor no teto. O adesivo preto entre as janelas agora chegou às colunas do pára-brisa. E, na tampa traseira, pregaram uma ripa de plástico. O resultado é caricato (o que falta? Olho de gato na porta? Antena tipo quilha?) e não resolve o problema: a S10 2009 tem a cara pouco sorridente do modelo 2001. Em vez de orelhas e bigodes, era o caso de trocar a batata inteira.
Mas a picape é um fenômeno. De janeiro a março, foram emplacadas 6 998 unidades, 62% mais que em 2007. Esse mercado cresceu espantosos 46,5% de um ano para o outro, e a General Motors (que faz a S10 no Brasil e principalmente para brasileiros) tem mais agilidade que as rivais para se ajustar. Um exemplo são as encomendas de frotistas, com exigências específicas e volumes que chegam a 1 000 unidades por cliente. "Quando abre leilão do governo, a gente dá o lance e já pede para aumentar a produção, a gente nunca perde", diz Hermann Mahnke, gerente de marketing. Além de agilidade, a GM tem presença: são 559 concessionárias, contra 122 da Toyota.
Em 2007, a Chevrolet mostrou oportunismo ao lançar a versão FlexPower. Só assim a S10 resistiu ao ataque da Hilux e chegou ao 13º ano de liderança nas vendas. No nobre e disputado mercado de picapes diesel, a batalha parece perdida. Contra as novas Hilux, L200 Triton e Frontier SEL, só com um produto novo. Enquanto isso não acontece, a Chevrolet trata de lançar novas versões com o motor 2.4 flex: na base, a Advantage cabine simples (por 47 000 ou 48 000 reais, ainda não está decidido); no topo, essa Executive cabine dupla, por 70 990 reais.
Boas intenções não faltam. O motorista tem banco de couro com ajuste elétrico de altura e distância, mais dois de inclinação do assento. No teto, há um porta-controle remoto de garagem, com membrana de borracha na tampa para você apertar o botão sem tirar do compartimento. A trava elétrica das portas tem assistência pneumática, para suavizar o movimento das fechaduras - em vez de tlac, temos zip-pfff (lembra o abrir da embalagem de café Melitta). É um recurso raro. Quem usa muito é a Mercedes-Benz, nos Maybach inclusive. O porta-cassetes (sim, tem um) é acarpetado, mais macio ao toque que o porta-CDs do novo Omega. A picape da Chevrolet é como os antigos cinemas: as poltronas são de couro e o acabamento é requintado, mas você não aproveita o melhor do filme porque os joelhos ficam apertados e você não enxerga além da cabeça de quem está na fileira da frente. Perto da S10, Hilux e nova Frontier parecem Cinemark e UCI, com mais espaço e ergonomia.
O solitário suspiro de renovação está no painel. Os mostradores estão menores, agora são os usados por Classic, Corsa, Meriva e Vectra. Deste último, ele pegou o hábito de cumprimentar o motorista, girando os ponteiros até o limite. A S10 inaugura o padrão de cor "ice blue", que será usado no resto da família. Não combina com a imitação de madeira que existe nas portas, mas a tentativa anterior (pintar de prateado a moldura de plástico rugoso) era muito mais estranha. Versões mais simples ganharam novos tecidos e o volante sem airbag ficou mais encorpado. Mudança bem-vinda: esse aqui é grande e tem aro fino.
A Hilux é mais gostosa de dirigir, mas a S10 não é ruim. Com 147 cv e 21,9 mkgf de torque, o motor 2.4 (parecido com o do Vectra, mas com oito válvulas) dá conta do recado. Iria melhor se as marchas ficassem mais próximas: você precisa esticar a segunda até cortar (a 6 000 rpm) para o giro cair em 3 500 giros, ao engatar a terceira. É um trator? Não - e, para um carro com tração 4x2, não precisa. É um foguete? Não - e, se fosse, pediria uma caixa de direção mais precisa que essa de esferas recirculantes. Levada sem pressa, a picape vai bem no D1, circuito misto do campo de provas da General Motors. A Zafira usada como camera-car vem sofrendo, no asfalto que simula as condições brasileiras, e a S10 passa lisa. Nem é com ela. Quando muito, a picape quica jogando ligeiramente para a frente (porque a suspensão é macia no eixo dianteiro e dura no traseiro). Problemas de quem tem que agradar rodando de caçamba vazia ou carregada com 770 quilos. Talvez não seja a melhor picape para o pai de família que trabalha na cidade e vai ao sítio no fim de semana, mas para outros tipos de público - policiais militares, plantadores de cana e gente que mora a 1 000 quilômetros de qualquer outra revenda - ela ainda rende um substancioso purê.
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S10 FLEX - R$ 47 000
É preço estimado da cabine simples básica. Na cabine dupla Executive, testada por nós, vai custar 70990 reais.
DIREÇÃO, FREIO E SUSPENSÃO
Direção por esferas recirculantes é robusta (além do necessário) e imprecisa (além do razoável. A suspensão traseira poderia ser mais macia, na picape executiva. Bons freios.
MOTOR E CÂMBIO
A S10 não é vigorosa, mas anda bem, e beber álcool é uma belíssima vantagem. A terceira marcha podia ser mais próxima da segunda.
CARROCERIA
Ultrapassada. Dentro da cabine, falta altura. A S10 nasceu tão bonita, não merecia tal sobrecarga de adereços.
VIDA A BORDO
A S10 traz nobrezas como trava elétrica pneumática, vidros umtoque e banco de couro com ajuste elétrico. Pedais e alavancas são leves. O tempo pesa na ergonomia da cabine.
SEGURANÇA
ABS, controle de tração e airbag duplo. Pelo preço, um bom pacote.
SEU BOLSO
Preço interessante, manutenção barata, rede autorizada onipresente, economia por poder abastecer com álcool e seguro bem mais baixo que o das picapes diesel.